quarta-feira, 21 de março de 2012

Na saúde e na doença

Conversa no consultório:
Ringo*, cocker spaniel de 12 anos. O animal está em estado deplorável: esquelético, com uma séria otite bilateral. O pus, escorrendo, pinga no chão em gotas grossas. O animal fede; está imundo; não deve saber o que é um banho há pelo menos seis meses. Isso sem falar dos problemas de pêlo, de pele e das miríades de carrapatos que lhe cobrem o corpo.  
Aí a proprietária solta a pérola:
_"Doutor, esse cachorro é um filho para mim; faça o que for possível..."
E eu:
_"Pois esconda seus filhos, porque se o Conselho Tutelar os vir, a senhora vai presa!"
Não. Eu não disse isso. Apenas pensei!
Virei para ela e falei apenas um: “não se preocupe senhora, vamos fazer o melhor pelo bichinho”.
Depois de ver os custos do tratamento, a “mãe” do cachorro dispara:
_É doutor, mas eu também não quero que o Ringo* sofra. Se for o caso de sacrificar, eu acho até melhor.

O que tenho visto nesses seis anos de clínica é que a relação de afetividade entre seres humanos e animais tem seus pontos fracos. Muitas pessoas são, de fato, apaixonadas pelos bichos, os tem como membros da família, os amam.  São essas pessoas que fazem de tudo para ver seu animal bem, independentemente da questão financeira. Já vi muita gente humilde fazer das tripas coração para tratar um animal doente. Como disse o Dr. Marco Gioso em um artigo que li recentemente, "é um enorme preconceito dizer que pobre não pode ter cachorro, porque não terá condições de cuidar dele". Muitas vezes quem menos tem é quem mais faz. Pessoas de baixa renda não criam animais por outro motivo que não seja o amor que sentem e a vontade de cuidar.
Por outro lado, temos vivenciado situações revoltantes como a descrita no início do post: gente abastada, de posses, para as quais o cão ou gato é um filho até que adoeça, quando, então, volta a ser um animal. São pessoas  que criam cachorro (ou gato) por status. E, quando não lhes convém, livram-se dele.
É a lógica do capital, que em alguns é mais forte que os laços ditos “familiares”. A gente se revolta, faz o possível e o proibido, mesmo sem autorização. Fazemos pelo animal, mesmo que a “mãe” não queira, muitas vezes sem cobrar, fazemos pela satisfação de ver o filho voltar para casa.

OBS.: Qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência.

*Nome fictício.
Foto: http://jornale.com.br/petblog/wp-content/uploads/2008/04/doente.jpg